Eis aqui mais um artigo da lavra do amigo dylanesco Márcio Grings, jornalista, blogueiro, cronista do Diário de Santa Maria-RS e locutor/apresentador da Rádio Gáucha SM:
A sugestão deste post veio via
amigo Sergio Pinho Alves. Em junho de 1970, Bob Dylan lançou um de seus discos
mais porreteados de todos os tempos. Tanto que a famosa crítica do jornalista
da Rolling Stone, Greil Marcus, começava assim: “Que merda é essa?!?!”. O LP duplo
trazia uma colcha de retalhos de canções folclóricas que, ora flertam com o
country, folk ou blues. Além disso, algumas faixas ao vivo gravadas meses antes
no Festival da Ilha de Wight, acompanhado da The Band, também ganharam luz
nessa obra. O resultado final foi um verdadeiro saco de gatos musical. A
impressão de muitos na época era de que a fonte criativa de Dylan havia
finalmente secado. E esse lance de recorrer ao repertório e aos músicos de
Nashville, além de soar oportuno, para alguns também dava pinta de ser “o
passeio de um intruso pelo terreno sagrado do cancioneiro americano”. Dessas
sessões na primeira metade de 1970, saíram 24 canções que assinaram o trabalho.
Segundo o próprio Dylan, ele apenas “aquecia a banda com algumas dessas canções”,
e talvez no mínimo uma meia dúzia de números tenha sido registrada de forma
equivocada. Outra dúzia de temas ficou devidamente arquivada. E nada dessas
sobras foi utilizada no álbum posterior – “New Morning” – lançado quatro meses
depois de "Self Portrait", também em 1970. Vale lembrar que mais
rebarbas de covers foram usadas para os ensaios de “New Morning”, e também
foram (supostamente) jogadas direto dentro de uma gaveta escura da Columbia, de
onde (teoricamente) nunca teriam saído.
Depois dessa experiência de levar
bordoada de todos os lados, seja da crítica ou do seu público, Dylan virou gato
escaldado do artifício de revisitar canções típicas. Como já dissemos, a
intenção dele era de que esses temas fossem sepultados para sempre e que nunca
mais vissem a luz da humanidade. Infelizmente para ele e, talvez, felizmente
para nós, não foi o que aconteceu.
O fato curioso é que essas
sobras foram usadas como moeda de chantagem pela Columbia, quando seu disputado
ex-menino dourado dos anos 1960 negociava um novo contrato com um selo
concorrente. E como a Columbia detinha o direito sobre essas sobras malditas
(malfadadas, pelo menos na visão de seu criador), resolveu as lançar em novembro
de 1973. Em suma: Dylan foi obrigado a engolir esse sapo. Depois de passada a
turbulência, quando o artista renovou seu contrato com a Columbia (onde está
até hoje), ele exigiu que o disco fosse retirado do catálogo da gravadora. E
foi o que aconteceu. O renegado álbum “Dylan” (como foi batizado o LP) virou peça
de colecionador. Lembro que no início dos anos 1990, importei esse título em
k-7 (via Japão), já que fora a única forma que havia encontrado de comprar o
item que faltava na minha coleção. Atualmente ele pode ser facilmente encontrado em LP (via mercado de
usados). Já em CD, o álbum continua sendo muito valorizado. Quem quiser
adquiri-lo terá de pagar uma soma considerável para colocá-lo na
estante.
Assim como “Self Portrait”, o
disco “Dylan” parece ter melhorado com o passar do tempo. Sob esse verniz,
muitos perceberam que havia adjetivos no contexto dessas sessões. Alguns
artistas, inclusive, citam essa leva gravada na virada de 1969/1970 como
influência nas suas respectivas obras. É o caso de Ryan Adams, por exemplo.
Ouça o álbum de Ryan Adams & The Cardinals – “Jacksonville City Nights”
(2005) e comprove.
Ainda sobre o álbum “Dylan”, que
chega aos 40 anos de seu lançamento em 2013, uma das grandes críticas ao
produto final que foi colocado nas prateleiras, passa pela mixagem, que
realmente soa ruim em algumas faixas. Diversos dos backings femininos, por
exemplo, parecem sobrepor a voz do protagonista. E das canções que figuraram no
setlist do LP, há algumas autênticas “bolas fora”. Caso de “Mr Bojangles”
(Nitty Gritty Dirty Band) e “Big Yellow Taxi” (Joni Mitchell) e “Ballad of Ira
Hayes”, canção que se tornou conhecida na voz de Johnny Cash. Essas três
versões não passam de meras alusões empalidecidas das originais.
Mas separando o joio do trigo,
como não gostar de “Lilly of The West", “Can’t Help Falling in Love”
(conhecida na voz de Elvis Presley), “A Fool Such As I” e a minha preferida:
“Spanish is The Love Tongue”. Essa última inclusive saiu em compacto como lado
B de “Watching The River Flow”, (1971) numa versão mais intimista da lançada
dois anos depois. Na música, Dylan arrisca em cantar parte da letra em
espanhol.
Nota 5 para o disco. Mas um nota
5 num LP de Bob Dylan tem peso maior.