Aqui, mais uma bem-vinda
colaboração de um grande amigo dylanesco, J. de Mendonça Neto, o popular e
estimado 'Visconde de SábioGoza'. Boa leitura!
Visita superficial aos defeitos
do mestre Dylan
O Dylan faz 71anos, 50 de
carreira e eu acompanhei de perto, lado a lado, uns 30 anos dessa trajetória.
Teria acompanhado mais, mas não tinha idade para isso. Dylan me faz companhia
esse tempo todo e, decidido desde há tempos a não ter senhores nem reis, me
esforço para não cair na vala comum de súdito. Tento, mas nem sempre consigo.
Por conta disso sempre que
possível, busco enfoques ou detalhes desse mestre que possam me incomodar e dar
conta que trata-se apenas de um rapaz americano com muito dinheiro no bolso e
não um deus, mesmo porque tanto quanto consigo, sou agnóstico. Vendo para crer.
Nessa direção, vira e mexe anoto
na memória, essa traidora, pequenos, médios e grandes deslizes do mestre _ olha
eu de novo, reverenciando para me certificar de que é um ser humano, não igual
a mim, com um forte elenco de defeitos, mas, ele também, passível de pecados.
E sem a profundidade dos vários
enciclopedistas dylanescos que conheço e com um texto aberto a revisão,
aprofundamento e até negação, busco elencar da velha traidora algumas passagens
que envolveram o homem e o artista nesta longa e profícua trajetória.
Mas, até antes dessas observações
bastante superficiais, gostaria de considerar que foi exatamente essa
resistência a seguir reis e senhores que me colocaram em reserva quando da
recente passagem dele pela América do Sul, que incluiu apresentações em quatro
capitais e o distrito federal no Brasil.
Lembro de ter conversado com meus
botões: Já vi o Dylan algumas vezes. Vê-lo novamente não é pagar pau para um
sujeito, quase único, é claro, mas apenas um artista com o qual tenho
afinidades? Resolvido, não sei se dá melhor maneira. Dei ré, não fui e não me
incomodei.
Não me incomodei porque de perto,
mas não presente, acompanhei como foi essa passagem e desde elas já pontuei
alguns incômodos que me fortaleceram na perspectiva de reafirmar agora: nem
rei, nem senhores e nem deuses, acrescentei. Ele continua com aqueles terninhos
de circo e aquele indefectível chapéu. Somos minoria, os incomodados com a
vestimenta do cara, mas já se trata de um defeitinho.
Para mim, sob minha responsabilidade
e risco, Dylan deu umas mancadas, mas não exijam desse escriba contextualização
completa do que vou elencar. A velha traidora não dá conta disso e o Dylan não
é tão importante assim que mereça da minha parte grandes prospecções.
Aos pontos e nem são muitos.
Dylan não se comportou bem durante a sua transição de abandono da cena
militante do folk à época. Tenho pra mim que o seu salto em direção a outras
cenas e amplidão de possibilidades, não foi feita de forma elegante e grata a
cena folk que tão bem o acolheu, deu força e prestigio inicial.
Aos saltos dos fatos, também
considero que a maneira com que ele tratou a relação com a Joan Baez, que tinha
outras expectativas quanto ao então jovem Dylan, não foi a de um cara
respeitoso e sim de quase um oportunista sem escrúpulos.
Ainda saltando. Quando virava uma
celebridade anfetaminada, em sua passagem pela Inglaterra, o desdém continuou
em relação à parceira que tanto o apoiou. As diversas entrevistas das quais ele
participava pouco tinha de novo com relação ao comportamento eminentemente
comum da época, entre as estrelas da cena rock. A sua irreverência, em
determinadas ocasiões, visavam alimentar o astro, não os esforços da
contracultura. Considero, e esse é um julgamento de juízo, que era um momento
de responsabilidades comunitárias da qual ele se furtou.
Saltando mais. A forma com que
tratou um esforçado Donavan _ que o apreciava sem moderação, também não foi a
de alguém que se garantisse em sua complexidade e capacidade. O documentário
‘Dont Look Back’ dá alguns outros sinais claros que se Dylan estava num momento
muito inspirado de sua carreira em transição para a cena do rock, pessoalmente
algumas posturas beiravam a infantilidade e cafajestice, quando numa relação
conflituosa entre as mulheres do seu arco.
Outra passagem que a velha
traidora trás superficialmente diz respeito a sua participação num Live Aid
qualquer, onde não tenho certeza que sua alusão à situação dos fazendeiros
americanos, sugerindo uma ajuda advinda da ação binacional, EUA e Inglaterra,
fosse a mais pertinente. Claro que Dylan não falou no vazio e apenas baseado
num “baseado”. Tinha lastro. A situação dos fazendeiros mereceu depois shows
especiais com aquela finalidade.
Aos saltos ainda. Dylan, conforme
narra Sounes, na biografia que fez do mestre e ele próprio no primeiro volume
de Crônicas, desfila alguns exemplos de comportamento duvidoso. Roubo de
discos, suave, é claro; roubo de arranjos como fez com Dave Van Ronk em seu
primeiro álbum e a megalomania afrescalhada quando gastou fortunas para
construir uma mansão onde moraria apenas o pequeno Bob e sua família que nem
tão grande era.
Acho que fico, por enquanto, por
aqui. Outros exemplos poderiam brotar da velha traidora. Haverá controvérsias,
explicações e algumas fazem parte até mesmo das minhas reflexões sobre o
ocorrido, mas, como alertei os eventuais leitores se trata de um esforço
pessoal de não ver Dylan como rei, senhor ou deus.
O infortúnio de um texto destes
seria a infelicidade de ele chegar aos olhos do mestre. Ele leria então essas
mal construídas linhas e não as dezenas de textos que escrevi sobre ele meio
indefeso com relação a minha premissa de não ter reis, senhores ou deuses.
Dylan é Dylan. Meu parceiro de
longa data e o maior compositor de todos os tempos. E lá sigo eu tentando não
reverenciar.