Mais um amigo dylanesco faz sua ‘estréia’,
aqui no Blog Dylan: Ismael Calvi Silveira nos brinda com um ótimo texto sobre o
álbum 'Basement Tapes', discaço de Bob Dylan & The Band. Vale conferir:
Há 38 anos, chegava às lojas
Basement Tapes, álbum de Bob Dylan e The Band.
Dia 26 de junho foi dia de festa.
Estamos todos nós, fãs daquilo que veio a se convencionar como
"Americana", cheio de motivos para estarmos celebrando: na referida
data se completaram 38 anos do lançamento de "The Basement Tapes", o
registro oficial da primeira colaboração entre Bob Dylan e The Band, um
encontro que mudaria o rumo da música norte-americana. Apesar de ter sido
lançado apenas em 1975, as sessões que geraram "The Basement Tapes"
ocorreram em 1967 e já circulavam, por baixo dos panos, como bootlegs. Vejamos,
então, do que se trataram estas sessões e qual a importância deste disco
chamado "The Basement Tapes".
Depois de uma extensa turnê
mundial entre 1965 e 1966, apoiado pelos The Hawks (era assim que eles eram
chamados antes de virarem The Band), Bob se encontrava cansado e havia caído em
certa desgraça com seu público, que até o chamava de "Judas" por ter
abraçado uma sonoridade mais próxima ao rock’n’roll. Quando retornou aos EUA,
seu agente havia marcado mais inúmeras apresentações através do país, que
acabaram sendo todas canceladas por um grande infortúnio. Em 29 de julho de 1966,
Dylan sofreu um acidente de moto que mudaria tudo. Como o próprio bardo
declarou, em entrevista cedida em 1969: "Eu tive um pavoroso acidente que
me deixou fora da ativa por um tempo, e eu não percebi a importância daquele
acidente pelo menos até ter se passado um ano. Eu percebi que havia sido um
acidente real. Quer dizer, eu pensei que eu apenas me levantaria e voltaria a
fazer o que eu fazia antes... mas eu não podia mais fazer isso".
Em sua casa, próxima a Woodstock,
Dylan mudou seu estilo de vida durante o ano de 1967. Os Hawks foram chamados
para comparecer à cidade para gravar com Dylan, e alugaram a Big Pink (casa que
os rapazes tornariam famosa dois anos depois, ao lançar seu disco de estreia,
“Music From Big Pink”). Nesse tempo que estiveram juntos, por vários meses,
Dylan se reaproximou da música norte-americana de raiz e apresentou os caras da
The Band a esse universo, já que até ali, eles eram estritamente músicos de
rock. Entre a gravação de versões para antigas canções tradicionais e a
composição de novos temas, uma certa sinergia surgiu entre mentor e alunos. O
porão do Big Pink fornecia o pano de fundo caseiro, intimista, para o disco; a
banda trabalhava para deixar Bob à vontade; e Dylan, por sua vez, destilava seu
humor através da genialidade na composição. Havia algo ali de cunho bastante familiar,
caseiro. E é disso que trata "The Basement Tapes" e os demais
bootlegs: um ambiente rural, quieto e profundamente familiar.
É claro que o lançamento oficial,
tão afastado das sessões originais, gerou polêmicas e controvérsias. A seleção
de faixas, 24 ao todo, não representam todo o material composto em 1967 e, na
verdade, tem 8 músicas que nem sequer contam com a participação de Dylan. De
acordo com Robbie Robertson, principal responsável pela seleção das canções que
entraram no álbum, isso aconteceu porque nem ele, nem Bob Dylan e nem Garth
Hudson tinham acesso a todas as gravações originais. Criou-se um clima tenso,
também, ao redor do disco: alguns críticos acreditavam que a inclusão das oito
músicas da The Band era a forma de Robertson afirmar que o grupo fora tão ativo
nas “Basement Tapes” quanto o bardo. Para os mesmos críticos, isso era um
sacrilégio, já que as faixas da The Band "atrapalhavam a unidade do
material de Dylan".
Mas polêmicas à parte, o álbum é,
na minha singela opinião, sensacional. Há, nele, algumas de minhas canções
favoritas da parceria Dylan/Band. "Goin' To Acapulco" certamente
seria minha escolha primária, mas "Clothes Line Saga"; "Too Much
Of Nothing"; "You Ain't Goin' Nowhere" e, é claro, "This
Wheel's On Fire" não podem ficar muito pra trás. Acredito, inclusive, que
essas canções servem muito bem para dar uma amostra geral da unidade do álbum.
As temáticas mais frequentes foram o nada, sinalizando para o caráter
descompromissado das sessões de gravação: eram apenas amigos se divertindo. E,
nesse meio tempo, Bob Dylan pôde se reinventar e, também, se redescobrir. De
certa forma, "The Basement Tapes" ia à contramão de outros álbums
gravados em 67, como, por exemplo, o “Sargeant Pepper Lonely Hearts Club Band”,
dos Beatles. Como afirmou Bob em uma entrevista datada de 1978: "Eu não
sabia como gravar da mesma forma que as outras pessoas fazem, e eu nem queria.
Os Beatles tinham recém lançado Sgt. Pepper, que eu não curti nem um pouco.
Achei ele um álbum bastante indulgente, apesar de as músicas neles seram
realmente boas. Eu não achava que toda aquele produção fosse necessária."
De qualquer forma, o que surgiu a
partir disso foi o princípio de um novo jeito de se fazer (e mesmo de se
pensar) música. Uma abordagem mais direta, sem tanta produção, que mergulhava
em um universo ancestral de sonoridades que formaram a identidade musical
norte-americana. "The Basement Tapes" e os outros bootlegs foram
instrumentais na construção do "roots rock" e do "americana",
eles materializaram um som tornado uníssono, que até então era uma
multiplicidade enorme de estilos. Country, folk, blues... tudo foi jogado
dentro do caldeirão, temperado com um rock suave e mexido até ferver e formar
algo novo e único - algo genuinamente americano. E isso fica claro se nós
dermos uma ouvida na discografia da The Band, por exemplo. Como explicou Joanna
Colangelo, do site No Depression, no seu artigo "The Weight: Quando uma
canção se torna um hino", o som da The Band, ou mais especificamente a
canção "The Weight", representam a própria essência daquilo que é
genuinamente americano.
Aquilo que foi alguns meses na
vida de seis amigos acabou se tornando eterno na história da música. Horas de
gravação se transformaram em um legado extenso de influência e de celebração. E
é exatamente por isso que comemoramos hoje, 38 anos depois do lançamento da
versão oficial daquelas gravações, as "Basement Tapes".
Por Ismael Calvi Silveira
Editor do site
http://4oldtimes.blogspot.com e apresentador dos programas 4oldtimes e
Expedição ao Rock na web radio www.radioputzgrila.com.br
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